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17 abril 2020

Há 40 anos...


Tenho um orgulho da gota serena de participar deste Fórum LGBT de Pernambuco!
E pensar que há 40 anos surgiu um grupo de pessoas, do qual fiz parte, que resolveu responder aos jornais de Pernambuco pelo fato de tratarem assassinos e espancadores de pessoas que tinham como objeto de desejo pessoas do mesmo gênero como heróis da sociedade. Afinal, “frango tem mais é que apanhar pra ser homem, ou morrer, pra livrar a sociedade dessa mancha!”
A mídia da época nos tratava com chacota: “Era só o que faltava: Sindicato das bichas!” (Diário da Noite, 14/08/1980)

Nesses 40 anos avançamos muito: embora ainda existam assassinos lgbtfóbicos, a mídia não mais os trata como heróis, mas como o que são verdadeiramente: assassinos. Pessoas que espancam lésbicas, gays, travestis e transexuais também não são mais considerados heróis, mas covardes criminosos de ódio.
Há 40 anos, pichávamos as paredes e muros com a frase “Dar o cu é um ato político! Viva 28 de junho!”
Há 40 anos, tínhamos medo de dizermos quem e o quê somos, afinal, podíamos perder o emprego, ser despejados do imóvel em que morávamos.
Não quer dizer que isso não mais acontece hoje em dia, mas temos leis que nos protegem e podemos acionar o poder judiciário diante desses abusos.
Naquela época, se estávamos num barzinho com nossos namorados, éramos expulsos, hoje, vemos casais de meninas e de meninos nos shopping centers da vida e nas ruas de mãos dadas.
No tempo em que “dar o cu era um ato político”, vivíamos morrendo de medo de dizer quem éramos às nossas famílias, aos nossos amigos. Lembro que em 1985, por insistência e patrocínio do saudoso João Antônio Mascarenhas, publicamos no Diário Oficial de Pernambuco o excerto do Estatuto do GATHO. As lideranças mais velhas não assinariam. Coube a um jovem funcionário da Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, órgão ligado à Prefeitura de Olinda, com 26 anos à época, assinar o bichinho, não sem antes pedir “autorização” ao prefeito, a fim de não ser exonerado. O funcionário era eu, Jackson Cavalcanti Junior.
Por volta dessa mesma época, a Câmara Municipal de Olinda acolheu proposta do vereador Fernando Gondim da Motta de fazer moção de repúdio ao código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, que dizia que os homossexuais eram “desviados e transtornados sexuais”. Além de Olinda, foram tantas moções de repúdio tanto de câmaras municipais, como de organizações científicas que o Conselho Federal de Medicina resolveu não mais observar, no Brasil, esse famigerado código. Vale lembrar que a OMS, somente num 17 de maio da década de 1990, deixou de nos considerar oficialmente “desviados e transtornados”.
O que sabemos é que, graças àquela turma do final da década de 1970, e das gerações que se seguiram, hoje em dia até atores e atrizes de telenovelas e até  jornalistas que aparecem todos os dias nas nossas telas de TV já declararam os objetos de seus amores homoafetivos.
A luta foi e é árdua, mas cada vez menos o tal “amor que não ousa dizer o nome” ousa, atreve-se a dizer e não sentir “vergonha” da dor e da delícia de ser o que se é, de dizer o quê e quem somos. Viva nós!
Sigamos lutando, até que tenhamos conquistado nossa liberdade e que não precisemos mais da Parada da Diversidade para afirmar a nossa disposição de lutar por nossos direitos fundamentais: o direito inalienável de ser quem e o quê somos, sem termos nossos corpos vilipendiados somente pelo fato de sermos seres humanos que amamos pessoas, independentemente de gênero, raça, cor, orientação sexual, origem....

4 comentários:

Marco Andre disse...

Conheci o Gatho ainda no Rio durante o 1°EGBHO (Encontro dos Grupos Homossexuais do Brasil)promovido pelo jornal Lampião da Esquina, é não tem como não me empolgar lembrando de uma época em que fazíamos militância durante uma situação muito opressora, com bombas explodindo bancas de jornais,na OAB do Rio, no 1° de Maio no Riocentro, é nossas caixas postais se enchiam de ameaças aterradoras.Mesmo assim realizamos o 1°EBHO (Encontro Brasileiro de Homossexuais)na ABI(Associação Brasileira de Imprensa)aberto ao público e apesar dos temores de ataques foi um sucesso e ganhamos forças para realizarmos o 2° Encontro em São Paulo que contou com a participação de novos grupos formados à partir daquele rebú do 1° e também da participação na 32° SBPC na UERJ onde fomos debater e exigir a retirada do artigo 302.0 da OMS que tratava homossexualidade como doença.
Em São Paulo o encontro foi na faculdade de Medicina da USP e o grande final no Teatro Ruth Escobar, aberto ao público que superlotou e ganhamos com isso mais publicidade e apoio além de atrair mais componentes para os grupos que se formaram em bairros, cidades periféricas e no interior; era difícil; a atuação conjunta toda articulada por cartas; a locomoção na época era difícil e cara, fazer um telefonema interurbano além de caríssimo expunha riscos.
Naquele tempo trabalhava com divulgação e venda de escritores da Geração Marginal, movimento literário à margem dos grandes editores e distribuidores, fazendo lançamentos pelo Nordeste de uma escritora, cheguei a Recife e Olinda onde me agreguei ao GATHO e a um gato e morei 15 anos.
O esvaziamento da atuação gay foi a AIDS, nossos amigos morriam como moscas,e o preconceito contra o " câncer gay" foi devastador e tudo que conseguimos em termos de debates em tv e rádio, imprensa etc, foi ceifado e nossa atuação passou a ser a divulgação do uso de camisinha com apoio de grupos gays dinamarqueses que doavam via Centro Pró-manter de controle de natalidade camisinha e destribuíamos quase como uma "confraria secreta".
Hoje passados 40 anos é fantástico ver a atuação e evolução do Movimento e sua abrangência.Mas há que se lembrar sempre que houve um início duro e heróico nessas bichas que deram suas caras à público e eu sinto também Junior, orgulho de fazer parte dessa história.
Hoje sou aposentado e minha militância é pela internet,e quando acho que vale a pena,como essa sua iniciativa aqui.Abraços.

Blog de Jackson Junior disse...

Obrigado, Marco André. Belo depoimento. Vou copiá-lo e publicar no Blog do Gatho, que eu e Rinaldo criamos há uns dez anos e somente agora, depois que Rinaldo morreu por conta da Covid-19, foi que eu comecei a publicar documentos e depoimentos dos antigos "gathinhos". O meu e-mail é jcjunior@gmail.com.
Gostaria que, se possível, você me mandasse uma foto e o seu endereço eletrônico para que eu coloque quando publicar o seu depoimento.

Marco Andre disse...

Ok meu e-mail é marconascimento304@gmail.com

Marco Andre disse...

Estou à disposição p contribuir q essa memória do início do MH seja lembrado pela sua importância na sociedade e como abriu caminhos p a militância hoje.Abraço.