Tenho um orgulho da gota serena de
participar deste Fórum LGBT de Pernambuco!
E pensar que há 40 anos surgiu um
grupo de pessoas, do qual fiz parte, que resolveu responder aos
jornais de Pernambuco pelo fato de tratarem assassinos e espancadores
de pessoas que tinham como objeto de desejo pessoas do mesmo gênero
como heróis da sociedade. Afinal, “frango tem mais é que apanhar
pra ser homem, ou morrer, pra livrar a sociedade dessa mancha!”
A mídia da época nos tratava com
chacota: “Era só o que faltava: Sindicato das bichas!” (Diário
da Noite, 14/08/1980)
Nesses 40 anos avançamos muito:
embora ainda existam assassinos lgbtfóbicos, a mídia não mais os
trata como heróis, mas como o que são verdadeiramente: assassinos.
Pessoas que espancam lésbicas, gays, travestis e transexuais também
não são mais considerados heróis, mas
covardes criminosos de ódio.
Há 40 anos, pichávamos as paredes e
muros com a frase “Dar o cu é um ato político! Viva 28 de junho!”
Há 40 anos, tínhamos medo de
dizermos quem e o quê somos, afinal, podíamos perder o emprego, ser
despejados do imóvel em que morávamos.
Não quer dizer que isso não mais
acontece hoje em dia, mas temos leis que nos protegem e podemos
acionar o poder judiciário diante desses abusos.
Naquela época, se estávamos num
barzinho com nossos namorados, éramos expulsos, hoje, vemos casais
de meninas e de meninos nos shopping centers da vida e nas ruas de
mãos dadas.
No tempo em que
“dar o cu era um ato
político”, vivíamos morrendo de medo de dizer quem éramos às
nossas famílias, aos nossos amigos. Lembro que em 1985, por
insistência e patrocínio do saudoso João Antônio Mascarenhas,
publicamos no Diário Oficial de Pernambuco o excerto do
Estatuto do GATHO. As lideranças mais velhas não assinariam. Coube
a um jovem funcionário da Fundação Centro de Preservação dos
Sítios Históricos de Olinda, órgão ligado à Prefeitura de
Olinda, com 26 anos à época, assinar o bichinho, não sem antes
pedir “autorização” ao prefeito, a fim de não ser exonerado. O
funcionário era eu, Jackson Cavalcanti Junior.
Por volta dessa mesma época, a Câmara
Municipal de Olinda acolheu proposta do vereador Fernando Gondim da
Motta de fazer moção de repúdio ao código 302.0 da Classificação
Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, que
dizia que os homossexuais eram “desviados e transtornados sexuais”.
Além de Olinda, foram tantas moções de repúdio tanto de câmaras
municipais, como de organizações científicas que o Conselho
Federal de Medicina resolveu não mais observar, no Brasil, esse
famigerado código. Vale
lembrar que a OMS, somente num 17 de maio da década de 1990, deixou de
nos considerar oficialmente “desviados e transtornados”.
O que
sabemos é que, graças àquela turma do final da década de 1970, e
das gerações que se seguiram, hoje em dia até atores e atrizes de
telenovelas e até
jornalistas que aparecem todos os dias nas nossas telas de TV já
declararam os objetos de seus amores homoafetivos.
A luta foi e é árdua, mas cada vez
menos o tal “amor que não ousa dizer o nome” ousa, atreve-se a
dizer e não sentir “vergonha” da dor e da delícia de ser o que se é, de dizer o quê
e quem somos. Viva nós!
Sigamos lutando, até que tenhamos
conquistado nossa liberdade e que não precisemos mais da Parada da
Diversidade para afirmar a nossa disposição de lutar por nossos
direitos fundamentais: o direito inalienável de ser quem e o quê
somos, sem termos nossos corpos vilipendiados somente pelo fato de
sermos seres humanos que amamos pessoas, independentemente de gênero,
raça, cor, orientação sexual, origem....
4 comentários:
Conheci o Gatho ainda no Rio durante o 1°EGBHO (Encontro dos Grupos Homossexuais do Brasil)promovido pelo jornal Lampião da Esquina, é não tem como não me empolgar lembrando de uma época em que fazíamos militância durante uma situação muito opressora, com bombas explodindo bancas de jornais,na OAB do Rio, no 1° de Maio no Riocentro, é nossas caixas postais se enchiam de ameaças aterradoras.Mesmo assim realizamos o 1°EBHO (Encontro Brasileiro de Homossexuais)na ABI(Associação Brasileira de Imprensa)aberto ao público e apesar dos temores de ataques foi um sucesso e ganhamos forças para realizarmos o 2° Encontro em São Paulo que contou com a participação de novos grupos formados à partir daquele rebú do 1° e também da participação na 32° SBPC na UERJ onde fomos debater e exigir a retirada do artigo 302.0 da OMS que tratava homossexualidade como doença.
Em São Paulo o encontro foi na faculdade de Medicina da USP e o grande final no Teatro Ruth Escobar, aberto ao público que superlotou e ganhamos com isso mais publicidade e apoio além de atrair mais componentes para os grupos que se formaram em bairros, cidades periféricas e no interior; era difícil; a atuação conjunta toda articulada por cartas; a locomoção na época era difícil e cara, fazer um telefonema interurbano além de caríssimo expunha riscos.
Naquele tempo trabalhava com divulgação e venda de escritores da Geração Marginal, movimento literário à margem dos grandes editores e distribuidores, fazendo lançamentos pelo Nordeste de uma escritora, cheguei a Recife e Olinda onde me agreguei ao GATHO e a um gato e morei 15 anos.
O esvaziamento da atuação gay foi a AIDS, nossos amigos morriam como moscas,e o preconceito contra o " câncer gay" foi devastador e tudo que conseguimos em termos de debates em tv e rádio, imprensa etc, foi ceifado e nossa atuação passou a ser a divulgação do uso de camisinha com apoio de grupos gays dinamarqueses que doavam via Centro Pró-manter de controle de natalidade camisinha e destribuíamos quase como uma "confraria secreta".
Hoje passados 40 anos é fantástico ver a atuação e evolução do Movimento e sua abrangência.Mas há que se lembrar sempre que houve um início duro e heróico nessas bichas que deram suas caras à público e eu sinto também Junior, orgulho de fazer parte dessa história.
Hoje sou aposentado e minha militância é pela internet,e quando acho que vale a pena,como essa sua iniciativa aqui.Abraços.
Obrigado, Marco André. Belo depoimento. Vou copiá-lo e publicar no Blog do Gatho, que eu e Rinaldo criamos há uns dez anos e somente agora, depois que Rinaldo morreu por conta da Covid-19, foi que eu comecei a publicar documentos e depoimentos dos antigos "gathinhos". O meu e-mail é jcjunior@gmail.com.
Gostaria que, se possível, você me mandasse uma foto e o seu endereço eletrônico para que eu coloque quando publicar o seu depoimento.
Ok meu e-mail é marconascimento304@gmail.com
Estou à disposição p contribuir q essa memória do início do MH seja lembrado pela sua importância na sociedade e como abriu caminhos p a militância hoje.Abraço.
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